Assim como passamos de um evento para outro, procurando as respostas para nossas perguntas, querendo mais conforto do que mudança, os discípulos migraram para o deserto para aprender com os Padres do Deserto lá. Eles queriam saber como rezar, como viver cada vez mais próximos de Deus enquanto continuavam a ser responsáveis pelos aspectos seculares da vida, bem como dedicados ao sagrado. E eles queriam atalhos para todos – assim como nós. Como nós, também, eles nunca deixaram de se surpreender com a palavra de instrução que receberam ali. Nenhum grande sacrifício era esperado. Nenhum ritual complexo exigido. A resposta monástica aos discípulos, ao que parece, sempre tratava de aprender a viver bem no lugar onde estavam, em vez de tentar fugir de sua vida de responsabilidades diárias.
No caso de hoje, a resposta é particularmente direta. “A menos que a alma esteja livre de pensamentos externos, é impossível orar a Deus em contemplação.” O ensinamento é livre de adornos em sua definição, claro em seu significado. Deus não está se escondendo de nós, as palavras sugerem. Nós é que estamos nos escondendo de Deus. O ruído, ensinam-nos os Padres do Deserto, é a barreira que colocamos entre nós e a contemplação de Deus conosco.
A instrução de hoje, na verdade, é sobre ruído. O ruído, ensina o santo, é o que nos separa até mesmo de nós mesmos. Mas se o povo do Egito do século III tinha um problema relacionado a isso, que dirá a nossa própria geração. Nós até temos um problema já que a cultura do canto dos pássaros, a cultura do sossego rural, tornou-se a cultura da cacofonia. Vinte e quatro horas por dia nosso mundo crepita com rock, rap, country, beat e conversa fiada e reclamações sem sentido. São essas palavras que executam nosso pensamento por nós. Vinte e quatro horas por dia esse tipo de ruído usurpa o lugar que poderia ser ocupado por nossos próprios insights. Sua presença irrelevante em todos os lugares – em lojas e escritórios, nas esquinas e nos carros – distorce nossa busca pela consciência contemplativa de Deus na vida. Nos intervalos, é claro, rezamos as orações de nossa juventude, palavras de conforto e tradição. Mas imersos na recitação da rotina, até mesmo da rotina religiosa, há pouco tempo para ouvir o que a Palavra do universo pode estar tentando nos dizer.
A imagem que o mestre usa é simples: às vezes, podemos abaixar a cabeça sobre águas calmas e enxergar dentro de nossos próprios olhos. Mas quando as águas se agitam, percebemos a imagem fragmentada e distorcida. Nada do que vemos, então, podemos confiar que seja real. Mas, mais do que isso, quando nossas almas estão sobrecarregadas de ruído, a própria contemplação é prejudicada. O ruído da insignificância, o barulho e o tumulto dos planos inúteis, nos sepultam em nós mesmos. Então, a própria contemplação está em perigo. Distração e ambição, raiva e inveja, orgulho e dor, fadiga e sobrecarga – tudo isso distorce a sensação da presença de Deus para nós.
As Escrituras ensinam que “Deus não está no furacão” (1Rs 19). E agora, novamente, no terceiro século e em nossos dias e noites, os Padres do Deserto são claros: para repousarmos em Deus, devemos aprender a tirar da vista e da mente o turbilhão que ameaça nos tragar. Devemos permitir que a contemplação nos leve para casa ao Deus da Vida dentro de nós – a Vida que existe em todos os outros lugares do universo ao mesmo tempo. Seja lá o que ruge em nós e nos separa do centro silencioso de nós mesmos, deve ser descartado agora. Ali, o Deus que nos busca todos os nossos dias aguarda que cheguemos totalmente presentes à Vida que transcende a confusão do presente. Então, nada nos fará mal, nada nos assustará, tudo nos dará paz. Mas só depois que o centro estiver silencioso. Somente depois que o ruído interior tiver terminado. Somente depois que aprendermos a ouvir o Deus que fala no silêncio da alma centrada.
Tão certo como essa máxima foi importante para a mudança de culturas do terceiro para o sexto século, ela é ainda mais necessária para nós. Somos um povo em transição do local e do nacional para o global e o secular. Nenhuma instituição sozinha é grande o suficiente para salvar o nosso individualismo ou a vida espiritual que devemos moldar dentro de nós, se, de fato, nós sequer chegamos a conhecer a Deus.
Para isso, apenas o silêncio de nossas próprias almas servirá – a conexão pessoal entre Deus e eu.
Sobre o livro:
Os Padres do Deserto, milhares de monges e freiras que viveram nas terras egípcias entre os séculos III e V, passaram a ser vistos como os admiráveis da vida espiritual. A renomada escritora espiritual Joan Chittister explora os ditos dessas pessoas, encontrando sabedoria dessa antiga tradição que fala à sua vida hoje. Esta introdução popular a uma poderosa fonte de sabedoria cristã é um excelente manual para sua própria jornada espiritual.
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