Os monges sabem que nem tudo que temos dentro de nós precisa primeiramente ser descoberto para que possa ser curado. Eles confiam no poder de cura da oração. A simples oração também é capaz de curar aqueles para quem a análise dos pensamentos é uma tarefa difícil. Eu não preciso necessariamente conhecer a doença de que desejo curar-me. Quando levo uma vida sadia, quando tomo o remédio da oração todos os dias, então eu fico curado mesmo das doenças desconhecidas que se encontram dentro de mim. Pois a oração me une a Deus, o verdadeiro médico, que conhece minhas feridas melhor do que eu. Portanto, expor-se a ele na oração é o melhor recurso terapêutico que os monges recomendam.
A oração é entendida pelos monges como um remédio. Mas existem diversas espécies de remédios. Alguns revelam as causas da doença, manifestam-nas, reforçam-nas primeiramente, antes de combatê-las. Outros remédios são como os unguentos, que nós aplicamos sobre as feridas sem que as conheçamos mais exatamente, ou como os fortificantes, que ativam a resistência do homem contra todos os múltiplos germes doentios que nem sequer foram analisados. Assim também para os monges, algumas vezes a oração é um remédio que analisa e que revela. Por meio da auto-observação
e do autoconhecimento, as causas das atitudes falhas podem ser reveladas. Outras vezes, a oração é mais um unguento ou um fortificante, que pode ser empregado contra todas as doenças, sem que se tenha maior conhecimento sobre elas. Pela oração constante, o homem torna-se interiormente imune contra o pecado e a culpa. Aos poucos as atitudes falhas que se fixaram nele são desmontadas.
Muitas vezes a cura realiza-se imperceptivelmente, demorando muito tempo para manifestar-se. Exteriormente não se consegue ver mudança nenhuma, mas no interior, no inconsciente, começa a haver uma transformação. O lavrador “também espera o fruto precioso da terra e tem paciência até receber a chuva do outono e da primavera. Tende também vós paciência” (Tg 5,7s.). Como o lavrador, nós só podemos cultivar o campo de nossa alma pela oração e pela ascese, e esperar até que ele dê fruto.
Para os monges, as formas analíticas e as formas terapêuticas da oração não se opõem entre si. É recomendado ora um ora outro método, conforme a situação e a percepção de cada pessoa. Às vezes, os dois métodos são empregados um após o outro, primeiro o que encobre, e se isto não der resultado, se a falta de tranquilidade e o erro interior persistirem, emprega-se o que revela, a forma analítica. Mas os monges também conhecem formas de oração que já em si próprias reúnem análise e terapia. Uma mesma oração encobre e cura. Um bom exemplo desta oração é o método antirrético de Evágrio. Aqui os maus pensamentos, as atitudes falhas, não são simplesmente passadas por cima e substituídas por pensamentos voltados para Deus. Pelo contrário, os pensamentos, que segundo Evágrio nos são inspirados pelo demônio, são conscientizados e combatidos por meio de pensamentos opostos. Assim, por exemplo, quando sente que é cobiçoso, o monge deve conscientizar sua cobiça e aplicar contra ela uma palavra da Escritura que é capaz de superar a avareza. Primeiramente Evágrio analisa o pensamento:
Contra o pensamento que não permite dar alguma coisa ao irmão que tem necessidade e que nos pede emprestado algum dinheiro, usa Dt 15,7s.: Não endureças o coração nem feches a mão para o irmão pobre. Ao contrário, abre-lhe a mão e empresta-lhe o bastante para a necessidade que o oprime.
Quando o monge se conscientiza da tentação e sempre de novo usa contra ela a palavra de Deus, a tentação é vencida. A palavra de Deus vence o pensamento que foi inspirado pelo demônio. Livra o monge do vício que quer mantê-lo preso e cura-o do espírito da paixão, da intranquilidade que os maus pensamentos nele provocam. Desta maneira, a oração passa a ser uma luta contra a doença. Aqui o orante apega-se a Deus que, por sua palavra, constantemente repetida e meditada, cura a doença.
Os ditos dos padres conhecem outras variedades semelhantes de oração para se reagir à tentação dos maus pensamentos. Antão aconselha a um irmão que deixe tranquilamente os pensamentos penetrarem em si. Apenas não fuja deles, mas prenda seu corpo à cela, pois não são apenas os pensamentos que determinam a oração, também o corpo precisa ser levado em conta. Quando, então, os pensamentos o oprimem, deve opor lhes palavras da Sagrada Escritura. Com isto será capaz de vencê-los:
A um irmão que era acometido por um pensamento de sair da cela, o Abade Antão disse isto. O Ancião disse-lhe: “Vai, senta-te em tua cela. Dá teu corpo como garantia às paredes de tua cela e não saias. Deixa que teus pensamentos se dirijam para onde quiserem, somente não deixes que teu corpo saia da cela. Ele há de sofrer, não conseguirá fazer nenhum trabalho. Por último, há de ter fome e chegará a hora da refeição que lembra o alimento. Se a fome te disser um pouco antes: ‘Come um pedaço de pão’, responde-lhe: ‘Nem só de pão vive o homem, mas de tudo que procede da boca de Deus’ (Dt 8,3). E ele te dirá: 'Bebe um pouco de vinho, como o bem-aventurado Timóteo’. Responde-lhe: ‘Lembra-te dos filhos de Aminadab, que obedeceram à ordem de seu pai’ (Jr 35,6). Quando o sono quiser cair sobre ti, não o aceites, pois está escrito no santo evangelho: ‘Vigiai e orai’ (Mt 26,41). E também está escrito: ‘Dormiram e nada aproveitaram’ (Sl 76,6). Alimenta tua alma com as palavras de Deus, com vigílias, orações, e sobretudo com o pensamento constante no nome de nosso Senhor Jesus Cristo. E assim hás de encontrar o caminho por onde poderás vencer os maus pensamentos”.
Outro método consiste em primeiramente eu me ocupar uma vez com o pensamento e pô-lo em ordem. Caso volte sempre de novo, não se deve dar-lhe atenção:
O Abade Pimênio disse: “Quando te vier um pensamento por causa das necessidades corporais e lhe tiveres imposto ordem uma vez, e quando ele vem uma segunda vez e novamente o tiveres ordenado, e se ele vier uma terceira vez, não lhe dês atenção, pois é um pensamento estéril”.
Deixar o pensamento entrar em si pode chegar ao ponto de se fazer em uma espécie de encenação. Com isto, chega-se à calma interior:
Ouvi contar a respeito de um ancião: Quando seus pensamentos diziam-lhe que devia visitar alguém, ele levantava-se, tomava sua bolsa, saía e dava uma volta em torno da cela. Depois entrava de novo, consolava-se com o hóspede que imaginava ser para si mesmo. E com isto ele se acalmava.
Outros monges fazem deboche com seus pensamentos. Fazem como se fossem cumpri-los. Com isto, as tentações perdem seu poder ameaçador:
Do Abade Teodoro e do Abade Lúcio, de Ennatu, conta-se que por cinquenta anos eles debocharam de seus pensamentos, dizendo: “Depois que passar este inverno vamos embora daqui”. Quando então chegava o verão, eles diziam: “Depois deste verão, vamos para outro lugar”. Estes monges de feliz memória faziam assim o tempo todo.
Para outros, no entanto, este método não serve. Eles precisam recorrer a outros meios e empregar o pensamento em uma cena bastante engraçada:
Um irmão tinha um pensamento que o importunava: “Tens que fazer uma visita àquele ancião”. Mas adiava dia após dia, dizendo: “Amanhã eu vou”. E durante três anos ele lutou contra este pensamento. Por fim, disse para si mesmo: Admite que tenhas ido àquele ancião e que dizes: “Bom-dia, meu pai. Há muito tempo eu desejo ver vossa santidade”. Tomou então uma bacia, lavou-se e desempenhou o papel do ancião: “Fizeste bem em vir, meu irmão. Perdoa-me, pois fizeste muito esforço por minha causa. Que Deus te recompense”. Então ele cozinhou, comeu e bebeu com muito gosto e logo a tentação desapareceu.
Os métodos por último apresentados parecem não ter nada a ver com oração. Poderíamos ver neles antes técnicas psicológicas: psicodrama, encenação ou coisas semelhantes. Mas para os monges estava claro que eles não podiam curar-se a si próprios, que nenhuma técnica os faria alcançar a vitória sobre as tentações. Para eles, a encenação do pensamento que os oprime era apenas uma forma pouco convencional do diálogo com Deus. Quando o falar com Deus não serve porque permanece muito na cabeça, quando a análise das causas e dos contextos dos pensamentos não obtém nenhum resultado, para muitos existe a possibilidade de encenar o pensamento diante de Deus. Então, em vez de se rezar com palavras, reza-se com o gesto, com a cena, para com isto obter uma resposta de Deus, resposta que não consiste em palavras, mas, sim, na calma, na paz e na vitória sobre a tentação.
A oração não é um recurso terapêutico do qual o monge possa dispor como se fosse de uma técnica. A oração cura porque nos une com Deus. Deus é o verdadeiro médico que sabe curar toda e qualquer ferida. Na oração nós nos entregamos a Deus com nossas feridas, para nele readquirirmos a saúde, como o médico que na cruz conheceu ele próprio a experiência das feridas. Na oração, nós experimentamos a presença de Deus, que a um só tempo nos analisa e nos cura. Por nos colocar na presença de Deus e nos encher com o espírito de Deus, a oração consegue curar. Numerosos ditos dos santos padres descrevem esta função terapêutica da oração:
Basta que o homem persevere na oração e tente rezar sempre, para que tudo nele seja curado, independentemente de suas próprias forças para enfrentar as paixões. Para o Peregrino Russo, a oração substitui toda a obra da ascese. E ele dá estes conselhos simples:
1. Ora e pensa o que quiseres, e a oração purificará teus pensamentos. Ela iluminará teu espírito, expulsará todos os pensamentos falsos e te trará tranquilidade.
2. Ora e faze o que quiseres, e tuas obras serão agradáveis a Deus, e para ti mesmo úteis e salutares!
3. Ora e não te empenhes por dominar as paixões com tuas próprias forças. A oração as destruirá em ti.
4. Ora e não tenhas medo, não temas os desastres nem as desgraças. A oração te servirá de defesa e afastará de ti todas estas coisas.
5. Ora seja como for, mas ora sempre, e não te deixes confundir! Mantém alegre e tranquilo o teu espírito. A oração fará tudo e te ensinará todas as coisas.
Porém, os escritores espirituais também sabem que a oração não dispensa ninguém da obrigação de pôr mãos à obra. Oração e ascese não se opõem uma à outra. As duas têm que andar juntas. Sem oração, a ascese passa a ser confiança em si próprio e nas próprias virtudes. Mas sem ascese, a oração permanece palavreado vazio e inconsequente. Assim diz a Philokalia:
Nunca esqueças que a oração por si só não é perfeita, mas precisa estar unida a todas as virtudes, que são como que os órgãos da alma que constituem nosso organismo interior. Só quando alcançam um certo grau de desenvolvimento é que estes conseguem viver no espírito. Na medida em que os adquires, mais perfeita se torna também tua oração. Sem eles a oração não produz fruto.
A oração só obtém êxito quando o orante vigia sobre o seu íntimo e está pronto a combater suas paixões.
Do contrário, dizem os escritores espirituais, se perderia a compreensão. De acordo com sua experiência, alcançar a mística sem percorrer o árduo caminho da ascese não é possível sem que se sofra prejuízo na saúde psíquica. Se hoje se desse atenção a esta visão dos monges, poderiam ser evitados muitos problemas psíquicos a que estão expostos muitos que buscam apenas a felicidade ou a iluminação, mas esquecem as
exigências de um rígido autoconhecimento e de um árduo trabalho sobre si próprios, que constitui como que a porta para chegarmos a estas promessas. Aquele que deseja apenas fazer experiências espirituais e apresentá-las como troféus turísticos, sem percorrer o caminho da transformação interior, este há de perder a ligação com o seu próprio centro. Ele ficará tão fascinado com as experiências que passará a considerar-se como alguém que já atingiu a sua meta. Mas, então, ele pode chegar facilmente à divisão interior, ou até mesmo a estágios psicóticos. Ou irá acreditar que já é um homem espiritual e que terá que ensinar aos outros. Torna- se fácil, então, ocorrerem abusos espirituais. Porque este não se há de ter confrontado com os próprios lados sombrios, e então buscará transferi-los para aqueles que desejaria conquistar para a via espiritual. Não foi sem razão que os monges consideraram a humildade como condição para uma autêntica experiência espiritual. Quem não tiver a coragem de descer humildemente até aos abismos de sua alma, até as trevas e regiões caóticas do seu coração, este nunca há de experimentar Deus realmente, mas irá deparar-se apenas com as imagens que ele próprio faz de Deus. E usará Deus para si, em vez de deixar-se tomar a serviço de Deus. Usar Deus incha o próprio ego e um dia leva à divisão ou ao orgulho, à cegueira em relação a si próprio. Só aquele que une mística e ascese, oração e autoconhecimento, é que há de verdadeiramente encontrar- se com Deus e com seu próprio eu consciente.
Anselm Grün
O livro mostra a oração como uma fonte de autoconhecimento. O autor considera a atitude de falar com Deus e voltar o coração para Deus impele o orante a voltar-se para si mesmo e ocupar-se em primeiro lugar com o próprio coração.
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