Nesta pandemia do coronavírus, já me deparei com algumas interpretações religiosas que me deram calafrios. Em síntese, a ideia é que Deus não mandou o coronavírus, mas "permitiu" que ele se alastrasse, para testar a fé da humanidade, para lhe ensinar algo, para lhe recompensar com um dom maior, coisas desse gênero... Assim, caímos no velho dilema: se Deus é onipotente, pode evitar o sofrimento de uma pandemia. Mas, se ainda não evitou, então ou não é onipotente ou não é bom.
Não sou teólogo, apenas um teófilo que foi apresentado ao Deus-Amor a quem Jesus chamava surpreendentemente de "Papaizinho", "Abbá". João (4,8) diz que "Deus é amor", um amor gratuito, eterno, que "vencerá inclusive as piores infidelidades", como afirma o Catecismo (n. 219). João Paulo I chegou a dizer que "Deus é nosso papai; mais ainda, é mãe". Então, aquele impasse, além de improdutivo, é falso. A onipotência de Deus se revela precisamente no amor.
E eu mesmo, como pai do Martim, não consigo imaginar um Deus que possa ser menos amoroso do que eu. Eu nunca mandaria meu filho à beira da morte. Nunca o faria sofrer nem "permitiria" que ele sofresse deliberadamente com algo proporcionalmente semelhante a uma pandemia apenas para testar o seu amor por mim, para lhe ensinar que "não se brinca com fogo", ou para depois lhe recompensar com um brinquedo novo. Posso ser limitadíssimo como pai, mas não sou sádico. Essa "pedagogia" é doentia, nem um pouco humana, em seu sentido mais profundo, muito menos divina. O mal é sempre um mistério. Nenhuma ponerologia, por mais avançada que seja, consegue explicar a teodiceia.
Então, a pergunta não deve ser "onde está Deus diante da pandemia?" ou "por que Deus permitiu a pandemia?". São perguntas injustas com um Deus-Amor. Ao contrário, a pergunta deve ser: onde estamos nós diante da pandemia? Por que nós, humanidade, permitimos ou continuamos permitindo a pandemia? Há inúmeras causas biológicas que podem ajudar a explicar a pandemia, mas também há inúmeras outras causas de ordem social, política, econômica. São verdadeiros "pecados sociais e estruturais", que podem não ter gerado o vírus, mas prejudicam o seu combate: falta de políticas públicas, de investimento em ciência e educação, de consciência social e ambiental, de equidade, de partilha justa dos bens e das riquezas, de solidariedade...
Mesmo que a pandemia seja apenas um triste "acaso natural", as respostas que estamos dando, em geral, como humanidade, como sociedades, como governos, como culturas, como indivíduos, continuam revelando, muitas vezes, infelizmente, nosso "egoísmo original".
Deus, ao contrário, exatamente neste momento, sofre conosco, especialmente com os mais frágeis e impotentes diante da Covid-19, dando-nos colo e ternura. Deus está neles, chorando e gritando junto com eles contra a pandemia e contra as estruturas sociais, políticas e econômicas que impedem o enfrentamento do vírus.
Deus, em seu amor onipotente, não provoca, nem "permite", nem pode parar uma pandemia com um "passe de mágica". Porque mesmo a onipotência de Deus encontra limites diante da estupidez humana e de uma liberdade humana irresponsável, que continuam se manifestando assustadoramente nestes tempos de pandemia.
A "culpa" não é de Deus. Diante do mistério do mal, portanto, é preciso silenciar. E, diante do mistério de Deus, é preciso pôr-se à escuta, para sentir e reconhecer a Sua presença sempre amorosa, principalmente nas situações mais paradoxais. E, assim, poder fazer as perguntas certas para as pessoas certas.
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