Rezar, anunciar e ensinar a Palavra: o serviço da Animação Bíblica da Pastoral em nossas comunidades
- Redação
- há 21 minutos
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À fé cristã, baseada na Palavra de Deus revelada, a nova configuração que o mundo digital possibilitou às relações humanas é uma interpelação alarmante. As relações humanas sempre foram dificultadas pelas diferenças interpessoais e pela tendência humana de entendê-las como ameaças, ainda que isso tenha tido efeitos diversos nos diferentes períodos históricos. A fé cristã sempre teve a missão e o desafio de educar as pessoas para um relacionamento interpessoal ditado pelas lógicas evangélicas do amor, da compaixão, do diálogo e da alteridade. O aprendizado dessas virtudes, que principiava pela escuta da Palavra de Deus, na Escritura e na Tradição, era aperfeiçoado nos laboratórios das relações na família, na comunidade e no mundo do trabalho e da sociedade, em que cada cristão é chamado a viver o seu batismo.
A lógica das redes sociais, no entanto, insere nessa dinâmica de relações a virtualidade, que nem sempre será um campo em que as virtudes evangélicas poderão ser efetivamente exercitadas e postas em prática, mas, em muitos casos, serão simuladas e darão a falsa sensação de estarem sendo praticadas. O diálogo e o amor fraterno se realizam de verdade na convivência diária que revela o melhor e o pior que há em cada um, as razões sobre as quais podemos ancorar esse amor e as razões que o tornam um desafio. Quando a convivência pode ser interrompida com um simples unfollow, ou seja, um deixar de seguir, não há fraternidade sendo posta em exercício, pelo contrário, vai se dando a naturalização de uma prática de eliminação do diferente, que é totalmente antagônica ao Evangelho. A evangelização supõe anúncio pessoal, mesmo com o auxílio das redes, em um anúncio que entrelaça a Palavra à convivência diária, à proximidade. Assim, embora ela possa valer-se do digital para a dinâmica de aproximação, não poderá restringir-se a esse ambiente.
A evangelização, ao fazer uso do espaço digital, há que ter presente que os algoritmos das redes sociais – uma ferramenta digital responsável por compreender os interesses de diferentes usuários e selecionar os conteúdos mais relevantes com base nesses interesses – são baseados em uma lógica de mercado, mais precisamente, nas lógicas de marketing e vendas. Os conteúdos que ganham a propulsão dos algoritmos e, portanto, são entregues a um número maior de pessoas, com base na presunção de algum interesse dos usuários, são os que melhor se vendem, segundo a lógica própria do algoritmo. Há, nessa lógica, dois elementos que chamam atenção e precisam ser examinados diante do anúncio da Palavra nas redes.
O primeiro deles é relacionado ao próprio conteúdo, cuja projeção nas redes é proporcional ao nível de discussão que é capaz de gerar. O chamado engajamento – alto número de curtidas, comentários e compartilhamentos – é o que torna valiosa para a publicidade determinadas publicações nas diferentes redes sociais. Publicações mais engajadas ganham as graças do algoritmo – uma espécie de deus virtual que conhece as preferências de seus usuários por meio de suas buscas e interações e apresenta para esse mesmo usuário conteúdos que podem lhe interessar. Acontece que a linguagem que costuma engajar – e, por isso, é um recurso para que determinados conteúdos sejam mais entregues pelos algoritmos – é a linguagem combativa, que gera polarizações, polêmicas e discordâncias. Publicações dialógicas não engajam. Assim, a linguagem da Palavra de Deus acaba sendo, naturalmente, desfavorecida pelos algoritmos.
O segundo deles refere-se à própria figura do influencer. Geralmente, os usuários das redes sociais que ganham um grande número de seguidores e têm seus conteúdos impulsionados pelos algoritmos são denominados influenciadores. Estes se sustentam por meio das redes – em muitos casos, com um padrão de vida muito acima da média de seus seguidores, até mesmo luxuoso – porque são bons vendedores. Vivem das chamadas publis, absurdamente bem pagas por diversas empresas. Vivem da publicidade de produtos, marcas, cursos e até da publicidade de uma imagem pessoal ou de um padrão de vida e de pressupostos morais de conduta, que são vendidos, de modo velado ou não, aos seus seguidores. Quanto mais confusa for a diferenciação entre o virtual, apresentado nas redes – que passa a ser objeto de desejo pelos seguidores – e o real que está por trás das câmeras, melhor o mecanismo da influência. Isso porque o bom influencer é aquele que tem maior poder de persuasão: é o que melhor sabe persuadir seus seguidores a desejarem o produto, a pessoa, o discurso, o padrão de vida que apresentam, incutindo essa necessidade em seu inconsciente para que ele compre – com dinheiro ou outra moeda de troca –, ainda que esse objeto de desejo seja insustentável no recorte da vida real. A influência digital, quando falamos dos influencers que detêm um alto número de seguidores, baseia-se na persuasão, cujas estratégias podem levar a formas de violação da liberdade.
É aí que a dinâmica da influência se torna avessa à evangelização. Isso por que a evangelização é, sempre, proposição. É uma apresentação de Jesus Cristo feita de maneira personalizada, que busca apresentá-lo conforme Ele pode ser percebido como sentido que, pessoalmente, cada um busca para sua vida, mas que preserva absolutamente a liberdade pessoal de adesão ou recusa. A persuasão excessiva que visa conduzir a pessoa a uma prática que ela não escolheria por si mesma é frequente nas estratégias de influência nas redes. No entanto, ninguém pode persuadir alguém à adesão ao discipulado de Jesus, sob pena de tornar ilusória essa adesão. Como veremos adiante, ela é que sustentará todo o caminho discipular que a pessoa fará a partir dessa primeira adesão. Então, se ela não for feita na liberdade, em algum momento ela se mostrará incapaz de sustentar as renúncias e as escolhas próprias do amadurecimento da vida em Cristo.
Assim, a comunicação da Palavra de Deus, nas redes e para além delas, deverá estar comprometida com a restauração dessa forma de narração que comunica sentido e forma comunidades dialogais, onde reinam o diálogo e o silêncio diante do outro, porque as diferenças não assustam. Todo aquele que entra na dinâmica das redes deverá estar comprometido com um anúncio da Palavra que desfaça as amarras da lógica que impera nas redes – isto é, de transformar todo discurso em storyselling, ou seja, em venda de algo. Assim, aquele que deseja ser evangelizador não pode ter como ambição de vida tornar-se influencer, em seu sentido corrente, utilizando-se dessas metodologias indiscriminadamente, por que isso não condiz com sua missão. Evangelização e pastoreio não são influência, porque Jesus Cristo e a comunidade de fé não são produtos. No entanto, é possível nos depararmos com evangelizadores e pastores que ganharam segui dores com a projeção do seu testemunho nas redes, sem proporem a venda da fé sob a forma de cursos e produtos, nem assumirem como sua principal meta o aumento progressivo do número de seguidores e alcance – o que significa monetização – e a promoção de sua própria imagem.
Há que se ter equilíbrio, portanto, para pensar a evangelização nas redes. Na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2024, o Papa Francisco diz, a respeito das redes sociais, que “compreendemos a sua ambivalência, constatando a par das oportunidades também os riscos e as patologias”. Mas é com profecia que, desde o princípio do seu pontificado, ele orientou a Igreja a entender o ambiente digital como um lugar de evangelização. Na sua primeira mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 2014, ele já afirmara:
Tenho-o repetido já diversas vezes: entre uma Igreja acidentada que sai pela estrada e uma Igreja doente de auto- -referencialidade, não hesito em preferir a primeira. E quando falo de estrada penso nas estradas do mundo onde as pessoas vivem: é lá que as podemos, efetiva e afetivamente, alcançar. Entre estas estradas estão também as digitais, congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança. Também, graças à rede, pode a mensagem cristã viajar ‘até aos confins do mundo’ (At 1,8).
Trecho retirado do livro Rezar, Anunciar e Ensinar a Palavra, da Editora Vozes.
Sobre a obra:
Este livro reflete sobre a centralidade da Palavra de Deus na Igreja hoje, destacando sua dinamicidade na revelação, recepção, interpretação e atualização. O leitor encontra aqui os fundamentos essenciais da Animação Bíblica da Pastoral (ABP), apresentados de forma acessível e profunda. A obra é dedicada a todos que atuam com a ABP nos contextos eclesiais, abordando aspectos indispensáveis para que a Igreja aprofunde seu compromisso com a Palavra de Deus — um compromisso que pede renovação de métodos, atitudes, criatividade e profecia.
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