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  • Redação

Amizade social: redescoberta da dignidade humana



A Quaresma é conhecida como um tempo oportuno de preparação para a Páscoa do Senhor. Este é um tempo privilegiado para o arrependimento e a conversão do coração. Existem práticas quaresmais que auxiliam a pessoa neste processo de conversão: oração, jejum, esmola/caridade e penitência. A oração propicia um momento íntimo com a pessoa de Jesus Cristo que revela-se na Palavra, na Eucaristia e na comunidade de fé. Jejuar não resume-se a abster-se de carne ou práticas semelhantes, mas renunciar a tudo aquilo que impede o florescer da vida cristã. A esmola é a doação de si mesmo, não sendo um ato isolado, mas uma expressão viva da união fraterna. A penitência no tempo quaresmal não deve ser somente interna e individual, mas externa e comunitária de acordo com a realidade de cada pessoa. Assim, essas práticas que compõem o ambiente quaresmal devem tocar intimamente o coração dos católicos, fazendo-lhes retornar ao coração do Evangelho, ou seja, o seguimento de Jesus Cristo pobre, crucificado e glorioso.


A Conferência episcopal do Brasil propõe para este tempo de conversão a Campanha da Fraternidade.  Esta é uma penitência comunitária que almeja estreitar os laços fraternos entre irmãos por meio da oração, do jejum e da caridade. Deseja tocar o coração de cada pessoa, de modo que a comunidade cristã seja sinal e testemunha viva da conversão contínua ao Evangelho. Para a Quaresma de 2024 o tema proposto é “Fraternidade e amizade social” e o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8). Esta proposta visa despertar o coração das pessoas para a beleza da vida fraterna, a exemplo da Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo - que vive em plena harmonia na singularidade de cada pessoa sustentada pelo amor. 


A amizade social seria a comunhão fraterna, pautada no amor, que extrapola os limites humanos. Mas, o que poderia ser dito sobre a amizade? Amizade é um conceito universal presente em várias culturas. Porém, tornou-se extremamente gasto no decorrer da história sofrendo inúmeras ressignificações. A partir do século XVI emerge a ideia de uma sociedade individualista e fechada em si mesma. O ser humano vivia no binômio amigo-inimigo. Na atualidade entendemos amizade como um sentimento exclusivo entre pessoas, inúmeras vezes associado a confiança e fidelidade, que unem-se em grupos de afinidade.


No entanto, será que a amizade para um católico resume-se a isto? Para Jesus Cristo a amizade está intimamente entrelaçada com o amor. Assim ensina o Mestre: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos se praticais o que vos mando.” (Jo 15, 12-14). Conclui-se, assim, que a amizade é o que entende-se por amor cristão. Compreende-se que acolher este mandato de Jesus é instaurar um novo modo de ser das relações humanas sejam pessoais, familiares, espirituais e políticas. A amizade não deixa de ser um sentimento de estima entre pessoas, mas Jesus despe de qualquer afinidade e interesses particulares que não seja o amor cristão. Portanto, este modo de ser das relações humanas brota da livre oferta de si mesmo para abrir-se em direção ao mistério do outro cumprindo o ensinamento de Jesus Cristo. 


A indagação que ainda perpassa é o que podemos compreender como social? A vivência do amor não é algo solitário, mas integra as pessoas independente de rótulos. O amor cristão deve ser vivido em uma comunidade, ou seja, dentro da sociedade. Não será possível em hipótese alguma viver o mandamento de Cristo sozinho ou em grupos seletos. Assim, o social pode ser compreendido como o ambiente em que as pessoas vivem o Evangelho no seu cotidiano. Será o local onde as comunidades de fé estão inseridas com suas dores, alegrias, virtudes e potencialidades.  


A amizade social, tema da campanha, corre o risco de ser entendida facilmente como mais uma campanha social levada por vários caminhos de diversos interesses. Mas, na óptica católica será que a amizade social é entendida assim? Embora o termo social seja usado a compreensão deste termo segue outro viés. A amizade social é a aplicação prática do amor ensinado por Jesus Cristo extrapolando qualquer limite humano. Será a busca por viver a experiência do amor aberta a qualquer pessoa independente de quem seja sem o interesse de domínio, a exemplo de Jesus. Amar o outro contemplando a preciosidade de sua vida, considerando digno de ser amado, independentemente de qualquer coisa. Contudo, qual é o fundamento para amar a toda pessoa sem distinção? Deve ser feito porque Jesus ordenou? Existe algo mais profundo? O fundamento encontra-se na dignidade da pessoa humana em ser criada com uma alma racional, imagem e semelhança do Criador, capaz de ascender a Ele.  Assim, pode-se dizer que todos são irmãos. Toda pessoa porta está dignidade, mesmo que ainda não tenha descoberto esta verdade da fé. Portanto, a relação com o outro deve estar pautada no amor a exemplo da Trindade, em que cada pessoa trinitária relaciona-se amorosamente com a outra. 


A grande conversão que a Campanha da Fraternidade deste ano propõe é a redescoberta da dignidade humana, como filhos de Deus. O desejo é que cada católico possa abrir o seu coração para ver cada pessoa e a si mesmo de uma maneira fraterna capaz de contemplar os traços do divino em cada pessoa. Assim, o valor é deslocado dos atos e ações relacionais e depositado na pessoa em si mesma. Para mudar a chave do coração em direção a vivência concreta amor e da busca por Deus requer um itinerário de abertura para si e para o outro. O tempo quaresmal propõe diversas práticas que podem auxiliar as pessoas à ascenderem a Deus e cumprirem o seu mandato para formarem uma fraternidade não de servos ou escravos, mas de amigos que encontraram o grande amigo, Jesus Cristo, e desejam que todos possam encontrar este amigo que acolhe a todos de braços abertos!



 

Texto: Frei Bruno Almeida de Mello, O.F.M.

Graduado em Filosofia pela FAE, Curitiba.









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