Luis F. Ladaria

Com efeito, com a insistência na perfeição da humanidade que inclui a vontade humana, aprofunda de maneira nova o que significa a ausência de pecado em Cristo: a vontade do Filho é idêntica à do Pai, segundo o conhecido princípio de que existe uma única vontade na santíssima Trindade. Por sua vez, em sua vontade humana, distinta da divina, embora em perfeita submissão a ela em todos os momentos, Jesus é obediente ao Pai; assim alcança todo o seu significado o “exceto no pecado” da fórmula de Calcedônia, e toda a sua relevância a perfeição da humanidade de Cristo: “A humanidade de Jesus é a expressão encarnacional, expressão no tempo de sua filiação eterna. Por isso tem toda a plenitude que a finitude, a individualidade e a temporalidade permitem. Contudo, por ser a humanidade de Deus é a mais plenamente humana e sua liberdade é a mais perfeita: aquela que pode ser soberana sobre si e diante de Deus: por isso é sem pecado”.
A vontade humana de Jesus, ao mesmo tempo em que põe em relevo a perfeição de sua humanidade, nos mostra a profundidade de sua condição filial ao existir na perfeita submissão ao Pai. O cumprimento dos desígnios de Deus é a perfeição da criatura, que existe e pode existir somente em referência ao Criador. A liberdade de Cristo enquanto ser humano, sustentada pela pessoa do Filho, é a mais plena que se pode pensar, mais ainda, é muito mais plena do que se pode imaginar. Por um lado, a vontade humana de Jesus se orienta em tudo a do Filho, por outro lado, este expressa e assume a vontade humana de Cristo como própria. Também enquanto ser humano, Cristo se entrega livremente ao Pai e assim pode operar nossa salvação. Deste modo, pode interceder a nosso favor (cf. Rm 8,34; Hb 7,23; 9,24; 1Jo 2,1) e também pode ocupar diante do Pai nosso lugar. Há um único mediado entre Deus e o ser humano, o ser humano Cristo Jesus (cf. 1Tm 2,5).
Deve-se colocar necessariamente em relação à perfeição da humanidade de Cristo, sua solidariedade conosco, sua ausência de pecado e a existência de sua vontade humana em perfeita submissão à divina. A humanidade é perfeita enquanto é completa, mas, é ainda mais porque, sendo sem pecado, Jesus, enquanto ser humano, pode se entregar plenamente ao Pai por nós. E isso é assim em último termo porque a criatura não desaparece nem diminui na maior proximidade do Criador, mas, precisamente em virtude desta, adquire sua maior perfeição. Se a união hipostática é a maior união que absolutamente pode existir entre Deus e o ser humano, em Jesus e não em outro lugar deve-se buscar a perfeição da humanidade, não apesar, mas em virtude de sua divindade.
Trecho da obra: Jesus Cristo, salvação de todos
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