A palavra “ira” vem do latim irae, com o sentido de “cólera, fúria”, nomeando um intenso sentimento de ódio dirigido a si mesmo (autoagressividade) ou ao outro (heteroagressividade). A ira é um dos sete pecados capitais que mais causa sofrimento, sendo também difícil de ser escondido. A vermelhidão do rosto, a aflição, a sudorese ou o ritmo cardíaco acelerado, o olhar tenso, as mandíbulas cerradas e a inquietação traduzida em movimentos bruscos do corpo denunciam a fúria interior. O corpo apresenta diversos sinais da cólera interior, expondo a intimidade do sujeito e tornando-se seu algoz.
As imagens subjetivas da ira são angustiantes e manifestam-se em forte sentimento de culpa, sensação de aniquilamento e pavor. Tais fantasias psíquicas são fruto de crenças religiosas e do excesso de controle social, que associam a ira à influência demoníaca ou à loucura manifesta em atos de violência. Tais perturbações psíquicas provocam ameaças de retaliações interiores ou impulsos contra o outro.
Por outro lado, a agressividade é uma energia vital, a serviço da, revelando um lugar de autonomia diante da injustiça e das ameaças de abusos e humilhações. A ira é um fato político-psicológico que move muitos acontecimentos desde o início da civilização, também gerando violência racial, religiosa, etária, ecológica, de gênero e de espaço territorial. É, portanto, motor dos processos históricos.
Sobre a obra:
Os sete pecados parecem ter inspirado a brincadeira popular de que “tudo o que é gostoso”, ou faz mal ou é pecado. Mas não se trata só disso.
Daí, o que nos importa destacar neste livro é a relação entre cada um dos sete pecados e o que Lacan nomeou de gozo – evidentemente, com base no canônico Além do princípio do prazer, de Freud. O gozo é aquilo que se obtém ao atravessar a barra que limita nossa liberdade, em face da dignidade do outro, dos outros. O autor deixa para incluir essa consideração no último capítulo. Embora “gozo” seja o termo popularmente usado para designar o orgasmo, em Lacan o gozo é aquilo que ultrapassa tanto os prazeres permitidos quanto aqueles os que algumas religiões e diferentes códigos culturais proíbem. Gozo é o que atravessa a barra da castração simbólica que limita nossos excessos. Claro que a menção à teoria lacaniana para abordar o cânone bíblico é extemporânea, mas ajuda a revelar o que sempre esteve ali – ou “aqui”. As perversões flertam com o gozo – e, às vezes, chegam lá. O perverso se coloca em posição de exceção diante da barra que nos limita diante da dignidade e da liberdade do outro. A violência e os ódios, motivadores de outros pecados, também.
Faço menção às liberdades extra-acadêmicas a que William Castilho recorre como a de tomar depoimentos de amigos, correndo o risco de ser acusado de falta de rigor. Ora, estamos aqui no campo da moral, das práticas de linguagem e, também, da ideologia. É preciso arriscar. A forma de rigor mais absoluta que conhecemos, como todos sabem, é o rigor mortis. O texto que aqui se apresenta é muito vivo.
Maria Rita Kehl
Sobre o autor:
William Cesar Castilho Pereira, mineiro, estudou Psicologia e é doutor pela UFRJ. Psicólogo clínico, atuou por várias décadas como professor da PUC-Minas. Foi docente da Faculdade dos Jesuítas (Faje). Assessor em trabalhos comunitários e analista institucional. Assessor da Arquidiocese de Belo Horizonte e do Conselho Episcopal Latino-americano – Bogotá – Colômbia (Celam). Escreveu pela Editora Vozes: Dinâmica de grupos populares, Uma escola no fundo do quintal, Associação de pais e mestres, Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática, Formação religiosa em questão e Sofrimento psíquico dos presbíteros: dor institucional. Pela Editora Imago, escreveu: O adoecer psíquico do sub proletariado, e pela Editora Lutador: Análise institucional na vida religiosa consagrada.
E-mail: williamccastilho@uol.com.br
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