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  • Redação

Os sete pecados capitais: a luxúria

A luxúria estaria vinculada ao excesso de paixões: a cólera, a gula, a riqueza, a ostentação e, sobretudo, o sexo. Ela está em todos os lugares, assim como a sexualidade. Sua existência é sempre temida e sentida, pois reúne os cinco sentidos do corpo: olhar, olfato, paladar, audição e tato.

A luxúria é parte integrante do campo afetivo-sexual dos humanos. Porém, durante muito tempo, foi considerada a “prima má” da sexualidade. Parafraseando Raul Seixas, ela sempre foi a mosca que pousou em sua sopa e que pintou pra lhe abusar, zumbizar e perturbar seu sono. Você mata uma e vem outra em seu lugar.


Não é prudente associar a luxúria, apressadamente, às ideias de excesso ou mal. Da mesma forma, há risco em ligá-la diretamente ao “demônio” da sexualidade, conforme defendido pela civilização, uma vez que tal ideia baniria completamente a noção de prazer. A tentativa de desidratar as fantasias psíquicas sobre as relações sexuais, reduzindo o comportamento dos humanos a algo biológico e reprodutivo, parece infrutífera. Assim o faziam a filosofia clássica greco-romana e o catolicismo dos primeiros séculos, estabelecendo que o ato genital humano só é possível no interior da instituição do matrimônio e afirmando que todo ato conjugal deveria estar voltado para a procriação. Ao enfocar biologicamente o problema, identificava-se a luxúria, simplesmente, como uma excitação sexual.


Ora, a sexualidade humana é luz e penumbra, dito e não dito, renúncia à vergonha como última autodefesa. Ela é entrega de si a incertezas e verdades. Percorre o corpo erógeno e invade as fantasias psíquicas, produzindo uma usina de desejos. Esse tema sempre foi tabu e também alvo de amplos estudos, pesquisas, reflexões e debates. A sexualidade é personagem importante da civilização, presente em mitos72 e lendas, na cultura popular, na literatura e nas artes, nos meios de comunicação, na economia e na política, sendo importante moradora do subsolo do sagrado em todas as religiões.


Em fins da década de 1960 e início dos anos de 1970, brotou na sociedade ocidental um fascínio por ideias novas que se impuseram como distintas subjetividades. O poder disciplinar estava, até então, apoiado na regulação de rígidos ideais, no controle do espaço e do tempo, na vigilância do sujeito e da estética do corpo. Como ocorre em épocas de crise histórica, os aspectos da afetividade/sexualidade são uma caixa de ressonância de transformações sociais, refletindo as complexas macroestruturas da sociedade em pequenos territórios. A sexualidade é uma das energias fundamentais entre os seres humanos, perpassando a realidade social.


Essas novas maneiras de viver o prazer no âmbito da sexualidade atingiram família, educação, Igreja e Estado, participando da construção de diferentes ideários morais e éticos da civilização. Nossa intenção é estabelecer matizes sobre a sexualidade humana como enigma e não como algo natural, regida pelo desejo e não pelas leis da biologia reprodutiva, observando, assim, os limites entre as dimensões do prazer e da luxúria.

 

Sobre a obra:

Os sete pecados parecem ter inspirado a brincadeira popular de que “tudo o que é gostoso”, ou faz mal ou é pecado. Mas não se trata só disso.


Daí, o que nos importa destacar neste livro é a relação entre cada um dos sete pecados e o que Lacan nomeou de gozo – evidentemente, com base no canônico Além do princípio do prazer, de Freud. O gozo é aquilo que se obtém ao atravessar a barra que limita nossa liberdade, em face da dignidade do outro, dos outros. O autor deixa para incluir essa consideração no último capítulo. Embora “gozo” seja o termo popularmente usado para designar o orgasmo, em Lacan o gozo é aquilo que ultrapassa tanto os prazeres permitidos quanto aqueles os que algumas religiões e diferentes códigos culturais proíbem. Gozo é o que atravessa a barra da castração simbólica que limita nossos excessos. Claro que a menção à teoria lacaniana para abordar o cânone bíblico é extemporânea, mas ajuda a revelar o que sempre esteve ali – ou “aqui”. As perversões  flertam com o gozo – e, às vezes, chegam lá. O perverso se coloca em posição de exceção diante da barra que nos limita diante da dignidade e da liberdade do outro. A violência e os ódios, motivadores de outros pecados, também.


Faço menção às liberdades extra-acadêmicas a que William Castilho recorre como a de tomar depoimentos de amigos, correndo o risco de ser acusado de falta de rigor. Ora, estamos aqui no campo da moral, das práticas de linguagem e, também, da ideologia. É preciso arriscar. A forma de rigor mais absoluta que conhecemos, como todos sabem, é o rigor mortis. O texto que aqui se apresenta é muito vivo.


Maria Rita Kehl


Sobre o autor:

William Cesar Castilho Pereira, mineiro, estudou Psicologia e é doutor pela UFRJ. Psicólogo clínico, atuou por várias décadas como professor da PUC-Minas. Foi docente da Faculdade dos Jesuítas (Faje). Assessor em trabalhos comunitários e analista institucional. Assessor da Arquidiocese de Belo Horizonte e do Conselho Episcopal Latino-americano – Bogotá – Colômbia (Celam). Escreveu pela Editora Vozes: Dinâmica de grupos populares, Uma escola no fundo do quintal, Associação de pais e mestres, Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática, Formação religiosa em questão e Sofrimento psíquico dos presbíteros: dor institucional. Pela Editora Imago, escreveu: O adoecer psíquico do sub proletariado, e pela Editora Lutador: Análise institucional na vida religiosa consagrada.


E-mail: williamccastilho@uol.com.br

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