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  • Redação

Os sete pecados capitais: a vaidade

Vaidade vem do latim vanitas e significa “vão ou vazio firmado sobre aparência ilusória”. Já soberba remonta a superbia, que originou “supérfluo”, “arrogância”, “presunção”. Os dois vocábulos têm significados próximos: o soberbo ou vaidoso é alguém arrogante e cheio de vaidade.

A vaidade é uma experiência que dilata a imagem do ser humano, embaça seu próprio olhar e, de certa forma, torna o sujeito escravo do olhar do outro. Assim, tanto produz prazer como arrasta, por contrabando, experiências de autodestruição de si e do outro. Os primeiros papas da Igreja Católica classificaram a vaidade como o alicerce de todos os pecados capitais, como o comboio de via férrea, que, ao centralizar a força motriz na locomotiva, é capaz de levar consigo os outros vagões. A vaidade ilustra o mito do paraíso: a ambição desmedida de Adão e Eva de se tornarem Deus.


Santo Tomás de Aquino descreveu sete características inseparáveis da vaidade. A jactância, atitude de quem narra bravatas e altos merecimentos acima do que se realmente é, e a pertinácia, postura obsessiva e perseverante de tudo que é correto da pessoa obstinadamente “teimosa”. Além disso, hipocrisia, dissimulação no ato de falar moralmente de algo e, secretamente, fazer o oposto do discurso; desobediência, comportamento oposicionista de autoafirmação; presunção, confiança excessiva em opiniões próprias e devoção à verdade; discórdia e contenda, imposição da vontade própria ao outro com tenacidade e utilização de força física com intenção sádica de vencê-lo.


O pavão tem não apenas orgulho de si, mas menospreza o outro. O soberbo mescla ignorância e alienação, pois nega a consciência do outro. O drama maior do vaidoso é ser desmascarado; é ver desvelado o personagem oculto que esconde por trás da máscara, seu complexo de inferioridade que o excita fortemente frente à imagem de um deus. O orgulhoso define-se com uma paixão que faz com que tudo o que está no mundo seja menos valorizado do que si mesmo. Como dizia Santo Agostinho48, a vaidade não é grandeza, é inchaço. E o que está inchado nunca é sadio.

 

Sobre a obra:

Os sete pecados parecem ter inspirado a brincadeira popular de que “tudo o que é gostoso”, ou faz mal ou é pecado. Mas não se trata só disso.


Daí, o que nos importa destacar neste livro é a relação entre cada um dos sete pecados e o que Lacan nomeou de gozo – evidentemente, com base no canônico Além do princípio do prazer, de Freud. O gozo é aquilo que se obtém ao atravessar a barra que limita nossa liberdade, em face da dignidade do outro, dos outros. O autor deixa para incluir essa consideração no último capítulo. Embora “gozo” seja o termo popularmente usado para designar o orgasmo, em Lacan o gozo é aquilo que ultrapassa tanto os prazeres permitidos quanto aqueles os que algumas religiões e diferentes códigos culturais proíbem. Gozo é o que atravessa a barra da castração simbólica que limita nossos excessos. Claro que a menção à teoria lacaniana para abordar o cânone bíblico é extemporânea, mas ajuda a revelar o que sempre esteve ali – ou “aqui”. As perversões  flertam com o gozo – e, às vezes, chegam lá. O perverso se coloca em posição de exceção diante da barra que nos limita diante da dignidade e da liberdade do outro. A violência e os ódios, motivadores de outros pecados, também.


Faço menção às liberdades extra-acadêmicas a que William Castilho recorre como a de tomar depoimentos de amigos, correndo o risco de ser acusado de falta de rigor. Ora, estamos aqui no campo da moral, das práticas de linguagem e, também, da ideologia. É preciso arriscar. A forma de rigor mais absoluta que conhecemos, como todos sabem, é o rigor mortis. O texto que aqui se apresenta é muito vivo.


Maria Rita Kehl


Sobre o autor:

William Cesar Castilho Pereira, mineiro, estudou Psicologia e é doutor pela UFRJ. Psicólogo clínico, atuou por várias décadas como professor da PUC-Minas. Foi docente da Faculdade dos Jesuítas (Faje). Assessor em trabalhos comunitários e analista institucional. Assessor da Arquidiocese de Belo Horizonte e do Conselho Episcopal Latino-americano – Bogotá – Colômbia (Celam). Escreveu pela Editora Vozes: Dinâmica de grupos populares, Uma escola no fundo do quintal, Associação de pais e mestres, Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática, Formação religiosa em questão e Sofrimento psíquico dos presbíteros: dor institucional. Pela Editora Imago, escreveu: O adoecer psíquico do sub proletariado, e pela Editora Lutador: Análise institucional na vida religiosa consagrada.


E-mail: williamccastilho@uol.com.br

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